Como a blockchain pode impactar o Direito Penal?

Por TecnoHub

14 de julho de 2025

Quando falamos sobre tecnologia no universo jurídico, a primeira imagem que vem à mente costuma ser a do processo eletrônico — petições, prazos e intimações via sistema digital. Mas a verdade é que o uso da tecnologia no Direito vai muito além disso. Ela está, cada vez mais, no centro da produção de provas, na checagem de informações e até na forma como o comportamento das partes é analisado. Um cenário que muda tudo — ou quase tudo — no que se refere à apuração da verdade.

Hoje em dia, quase todo mundo anda com um dispositivo de rastreamento no bolso — o celular. Querendo ou não, deixamos pegadas digitais o tempo inteiro. Isso abre espaço para novas formas de investigação, de reconstituição de fatos e até de reconstrução de linhas do tempo em um processo. E, claro, isso também levanta uma série de questões éticas e jurídicas. Afinal, até onde vai o limite da privacidade? E como garantir que esses dados sejam interpretados corretamente?

Outro ponto é a confiabilidade. Nem toda tecnologia é à prova de fraude. Deepfakes, manipulação de prints, alterações em metadados… tudo isso precisa ser levado em conta. Ou seja, se por um lado a tecnologia ajuda, por outro ela exige mais preparo técnico dos profissionais do Direito. Saber como validar uma prova digital se tornou quase tão importante quanto saber argumentar bem em audiência. Não dá mais pra ignorar esse novo território.

E cá entre nós: se o Direito não acompanhar essa evolução, ele corre o risco de virar espectador da própria obsolescência. Por isso, vale a pena discutir, com mais profundidade, como essas ferramentas tecnológicas estão sendo usadas para formar provas, gerar rastros e reforçar — ou contestar — versões apresentadas em juízo. E claro, o que isso significa para quem está sendo acusado de estelionato, por exemplo, em um cenário onde cada clique pode virar evidência.

 

Como os dados digitais estão sendo usados como prova

Hoje, a maior parte das informações usadas em processos — especialmente os criminais — não vem mais de testemunhos ou documentos em papel. Vem de registros digitais. Conversas no WhatsApp, localização de GPS, interações em redes sociais, e-mails, prints… tudo isso virou fonte potencial de prova. O curioso é que, muitas vezes, a própria pessoa fornece isso sem perceber. Ou pior: sem saber que está autorizando o uso.

Mas será que tudo isso é válido juridicamente? Nem sempre. A autenticidade e a integridade dos dados precisam ser comprovadas. Isso quer dizer que não basta apresentar uma conversa printada — é preciso demonstrar que ela não foi adulterada. A cadeia de custódia digital, conceito cada vez mais discutido, vem justamente para assegurar isso: que a prova não foi manipulada desde o momento em que foi obtida até sua apresentação no processo.

Em crimes patrimoniais, por exemplo, o rastreio de aparelhos pode ser decisivo. Se uma pessoa for pega com um celular roubado, o histórico de conexões do aparelho pode apontar sua real origem. Mas atenção: é preciso respeitar os limites legais na obtenção dessas informações. O uso indevido ou sem autorização judicial pode invalidar a prova, e pior — pode configurar abuso.

 

A rastreabilidade como ferramenta de defesa e acusação

O rastreamento digital não serve apenas para acusar. Pode — e deve — ser usado também pela defesa. Um exemplo simples: imagine um réu que afirma estar em outro local na hora do crime. Se ele tiver registros de geolocalização no celular, isso pode ser usado a seu favor. O mesmo vale para imagens de câmeras de segurança, recibos digitais, chamadas telefônicas. Todos esses elementos podem construir uma linha do tempo que desmonta a narrativa acusatória.

Só que tem um detalhe importante: muitas vezes o advogado só descobre que essa informação existe quando é tarde demais. Ou porque o cliente não mencionou, ou porque o próprio profissional não pensou nisso. E se, além disso, o advogado sumiu no meio do processo, a situação piora ainda mais. Ou seja, o uso inteligente da tecnologia exige planejamento, visão estratégica e uma boa comunicação com o cliente.

Outro ponto sensível é o cruzamento de dados. Às vezes, o que parece uma prova frágil, isoladamente, se torna contundente quando combinado com outras informações. Um histórico de Uber pode comprovar deslocamentos; registros bancários, a compatibilidade com movimentações suspeitas. É nesse momento que a tecnologia mostra seu poder — e também seu risco. Afinal, um erro de leitura pode comprometer toda a estratégia processual.

 

Aplicativos, gravações e inteligência artificial no cotidiano jurídico

Já se tornou comum o uso de áudios e vídeos feitos por celular como prova em processos. Mas você sabia que há aplicativos que permitem modificar o conteúdo desses arquivos? É aí que a coisa complica. A defesa pode contestar a validade do material apresentado, pedindo uma perícia técnica. Isso vale para casos de extorsão, ameaças, assédio e até provas apresentadas de forma sorrateira. E sim, há limites legais para isso — não é tudo que vale.

Além disso, a inteligência artificial está começando a ocupar espaço nos tribunais. Ferramentas que analisam padrões de comportamento, que identificam contradições em depoimentos, que fazem triagens em grandes volumes de dados. Parece coisa de filme, mas já é realidade. E a pergunta que fica é: quem controla essas ferramentas? Quem garante que não há viés nos algoritmos? Ainda estamos aprendendo a lidar com essas questões.

Pra completar, tem o fator humano. Muitos juízes e advogados ainda têm dificuldades em interpretar corretamente essas tecnologias. Às vezes, o uso malfeito de uma IA pode parecer confiável — mas não é. E se, nesse cenário, o profissional responsável pela defesa estiver ausente, como nos casos em que o advogado sumiu, o prejuízo para o réu é enorme. Não basta ter acesso à tecnologia — é preciso saber usá-la bem, com responsabilidade e senso crítico.

 

A digitalização da violência doméstica e a proteção de vítimas

Casos de violência doméstica têm mostrado como a tecnologia pode ser aliada na proteção das vítimas. Aplicativos de denúncia, gravações de agressões, prints de conversas abusivas — tudo isso tem sido usado para fundamentar pedidos de medidas protetivas. É um avanço, sem dúvida. Mas também exige cuidados, tanto no recolhimento quanto na utilização dessas provas.

Em muitos casos, a mulher está em situação de risco extremo e precisa agir com rapidez e discrição. Aplicativos com botão de pânico, gravação em segundo plano e alertas automáticos para a polícia são ferramentas que podem salvar vidas. Mas, mais uma vez, surge o problema da validade: será que esses dados serão aceitos judicialmente? Há uma corrida contra o tempo e também contra a burocracia.

Do outro lado, também há um risco crescente de uso indevido dessas tecnologias — como gravações forjadas ou manipuladas. Por isso, a perícia digital tem ganhado protagonismo em casos assim. Saber onde e como gravar, como armazenar e como apresentar a prova faz toda a diferença. E o advogado precisa orientar a cliente desde o início. Não dá mais pra confiar apenas na palavra — a tecnologia agora é parte essencial da equação.

 

Liberdade e vigilância: onde está a linha?

Vivemos em um mundo cada vez mais monitorado. Câmeras em todos os cantos, celulares que sabem onde estamos, algoritmos que analisam nossos comportamentos. Tudo isso pode ser usado como prova… mas a que custo? A linha entre vigilância e violação de direitos é tênue. E o risco de abuso por parte do Estado é real. É aí que o Direito precisa atuar com firmeza, para garantir que a tecnologia seja usada para proteger — não para oprimir.

Em pedidos de Habeas Corpus, por exemplo, o uso indevido de provas digitais pode ser o ponto-chave para obter a liberdade do acusado. Há casos em que a prisão foi fundamentada em dados coletados sem autorização, ou em interpretações equivocadas de interações online. E nesses momentos, a atuação da defesa precisa ser cirúrgica — identificar o vício, argumentar com base técnica e resgatar o direito violado.

Isso nos leva a outra reflexão: será que estamos preparados, como sociedade, para esse novo mundo onde tudo deixa rastro? E será que sabemos, de fato, o que estamos autorizando quando aceitamos os termos de um aplicativo qualquer? A tecnologia não é neutra. Ela pode ser aliada ou inimiga — depende de quem a controla, e com que propósito.

 

Provas tecnológicas e a cultura da desconfiança

Um dos efeitos colaterais do uso crescente de tecnologia como prova é o aumento da desconfiança. Se tudo pode ser manipulado, nada parece confiável. E isso vale para todos os lados: juízes, promotores, advogados e até os próprios réus. A verdade é que o excesso de informação pode gerar mais dúvida do que certeza. E isso, no Judiciário, é uma faca de dois gumes.

Por outro lado, essa realidade obriga os profissionais do Direito a se atualizarem. Não dá mais para advogar como se estivéssemos nos anos 90. É preciso entender de metadados, saber como funciona um log de acesso, interpretar uma cadeia de blocos em blockchain. Parece exagero? Pois saiba que muitos casos já dependem exatamente desse tipo de conhecimento técnico para serem decididos.

O desafio, no fim das contas, é duplo: garantir que as provas tecnológicas sejam legítimas — e ao mesmo tempo, manter o senso crítico para não cair em armadilhas. O Direito, nesse novo contexto, precisa ser mais vigilante, mais técnico, mais conectado com a realidade digital. Porque, gostemos ou não, ela já é parte integrante do processo judicial moderno.

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